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O PÃO QUE MUDOU MINHA VIDA

por ramiro murillo

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Em 2016, uma amiga veio a um jantar em casa e me deu de presente um pão de fermentação natural. Ela esquentou uma fatia na frigideira e me deu comer.

- Passo uma manteiga?

- Não, come puro mesmo!

Eu mordi. E então um novo mundo se apresentou à minha frente.

Aquele pão tinha a casca crocante, levemente caramelizada, o miolo macio, leve e... muito sabor! Enquanto eu mastigava, novos sabores iam passeando pela minha boca. Eu disse a ela:

- Nossa, ISSO é pão!

Tudo que eu havia comido até então não era pão. Foi uma descoberta assombrosa. “Esse é o pão que sempre quis comer e não sabia!”

Eu queria mais daquilo, mas ele não era muito fácil de achar. Meses depois, um amigo me ensinou alguns passos para fazer um pão de fermentação natural, e comecei a tentar fazer em casa.

As primeiras tentativas foram um fracasso. Eu já fazia pão, com uma receita fácil de fazer e usando fermento biológico. O sabor e textura não tinham muita graça.

O pão de fermentação natural era trabalhoso: a massa grudava na mão, o frio alterava muito o tempo das coisas, e o pão ficava feio, sem crescer direito. O jeito de assar era diferente, usando uma panela dentro do forno. Ainda assim, os primeiros pães que fiz tinham um sabor melhor do que qualquer padaria do meu bairro!

Eu não desisti: assisti vídeos na internet, li livros e continuei tentando. Aquilo virou uma obsessão.

E um belo dia, talvez na minha décima tentativa, eu fui abrir a panela para ver se o pão tinha crescido e... BUM! Que imagem linda! Tinha dado certo! Ele cresceu lindamente, levantando uma imponente pestana:

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Meu primeiro pão de fermentação natural que deu certo

 

 

A sensação de ver aquele pão tão lindo e que eu mesmo tinha feito foi algo tão realizador, com certeza uma das maiores satisfações da minha vida. Eu fiquei irradiante, e mandava fotos para os amigos pelo celular. E, claro, o sabor era uma delícia.

Eu chamei aquele pão de obra prima.

Há uma força ancestral na possibilidade de fazer um alimento com suas próprias mãos e oferecê-lo aos demais. É um ato de amor, generosidade e nutrição.

A cozinha artesanal é um resgate da nossa origem como seres humanos. E fazer pão com fermentação natural é entrar em contato com uma cultura de pelo menos 6 mil anos de existência. Não tem como não sentir o impacto.

Logo comecei a fazer mais e mais pães, levando em encontros, reuniões de trabalho, aulas de yoga, e o sucesso foi total. Começaram a encomendar e passei a vender pães de fermentação natural.

Eu assava no meu forninho de casa mesmo, no bairro da Pompeia, em São Paulo, e em poucos meses ele já não dava mais conta. Tinha que assar 6, 8 pães, no mesmo dia, e seriam muitas horas usando o forno.

Eu fiz as contas e vi que havia um grande potencial na criação de uma padaria artesanal em casa. Bastava reformar minha edícula e comprar um forno bom para pães.

Em setembro de 2017, fiz a reforma, comprei um forno elétrico de lastro que assava 6 pães por vez, e criei a marca El Panadero, uma homenagem às minhas raízes latinas.

Daí veio o site, instagram, lista de pedidos por whatsapp, e passei a dedicar 3 dias da semana para produção e venda de pães.

Eu fazia tudo sozinho, com muita dedicação. Contratei um motoboy que leva os pães a diversos bairros de São Paulo, desde Santo Amaro até Lapa e Mooca.

Alguns restaurantes e loja passaram a revender e usar meus pães em seus serviços. Tudo via instagram e flyers que fui colocando em lugares que eu frequentava e gostava. 90% dos pães que eu vendia eram por delivery.

Passei a ter uma renda extra: 30% do que ganhava vinha dos pães. Os demais 70% dos trabalhos artísticos que estavam cada vez mais escassos, também porque cada vez mais eu só falava de pão com as pessoas em volta.

Ao longo destes 2 anos, a produção foi aumentando, e comecei a me dedicar mais e mais aos pães. Passei a dar cursos em restaurantes e na minha casa, o que completava ainda mais minha renda mensal, e consegui investir em equipamentos.

Em 2018, El Panadero saiu na revista de gastronomia O Melhor de São Paulo, da Folha de São Paulo, como destaque nos serviços de entrega.

Em 2018, 60% da minha renda vinha dos pães, e no final de 2019 já estamos em 90%. Fiz alguns cursos e hoje já produzo pães em vários sabores, ciabattas, baguetes, focaccias, brioches, croissants, pasteis de nata e alfajores. E as ideias não param.

Em janeiro de 2019, O SEBRAE-SP me procurou para uma matéria sobre o crescimento de pequenas empresas de alimentação que deram certo em 2018, chamada RECEITA PARA CRESCER BEM.

Minha edícula já ficou pequena, e percebi que precisava expandir e me associar com mais pessoas, pois sozinho já não estava dando conta. Eu já estava com um assistente para dar conta da produção e limpeza dos equipamentos.

Eu queria abrir uma padaria de fato, atender as pessoas e oferecer tudo aquilo que eu sempre sonhei em ser servido em uma padaria e que é muito difícil encontrar: um pão delicioso e saudável, uma tartine, um queijo quente com pão do campo, crocante por fora e macio por dentro... veio todo um cardápio em minha cabeça.

Mas criar um negócio deste tamanho me exigiria um investimento alto, e somente vendendo meus pães ia ficar difícil. Equipamentos de padaria são muito caros, e aprendi que não vale nada a pena economizar em equipamentos de cozinha. O barato sai caro. Então eu queria o melhor forno, a melhor câmara de fermentação etc. Eu precisava me associar, captar investidores.

Foi simplemente perceber e aceitar que sozinho eu não ia mais conduzir o barco, que começaram a surgir encontros inusitados: uma amiga de infância, Gabriela, me encontrou por conta de um trabalho e descobri que ela era irmã de uma padeira renomada aqui de São Paulo, Juliana Pascal. Eu havia encontrado outro amigo da mesma época, Vicente Carrari, e resolvemos nos encontrar os três para saber como iam nossas vidas. Neste dia, eu contei da recente trajetória da El Panadero, e no dia seguinte, Vicente se ofereceu a ser meu sócio investidor, e Gabriela me sugeriu que chamasse a Juliana Pascal para me prestar uma consultoria.

BINGO! Eu já tinha como começar a pensar em um projeto maior. Logo comecei a encontrar o Vicente e passamos a desenhar o novo projeto da El Panadero atendendo o público com serviços de balcão e mesa, e não somente delivery.

Juliana Pascal está me ajudando em toda a parte técnica da construção desta padaria.

Eu não acredito em coincidências. Quando adentramos a essência de algo e nos dedicamos com entrega e foco, as parcerias vão acontecendo. É o que estou vivendo agora, aos 40 anos, tendo me formado em Bacharel em Física na USP (nunca exerci a profissão pois não me identifiquei com a carreira científica) e tendo trabalhado há 25 anos com música, dança e teatro, atividades que ainda exerço, mesmo que com menor frequência.

Eu percebo, hoje, que eu sempre quis fazer um trabalho artesanal. Acontece que quando comecei a fazer pão, algo mudou dentro de mim. Parei de procurar outras atividades manuais. Eu queria só fazer pão. Nunca mais fiz móveis, por exemplo, mas continuo cozinhando, é claro.

Fazer pão preencheu uma necessidade urgente, que é entrar em contato com a massa através das mãos, e deixar o corpo pensar. Não à toa eu larguei a ciência e fui ser bailarino. Eu precisava usar meu corpo, minhas emoções, e não somente meu intelecto. Mas fazer comida tem uma força avassaladora, é me colocar a serviço de algo muito grande, e oferecer aquilo que eu mais gosto para outra pessoa comer.

Quando alguém cozinha desta maneira para mim, eu fico emocionado. Cozinhar é arte. E assar pão é assar todas nossas paixões naquele pão.

É incrível a satisfação de receber o retorno de clientes e amigos dizendo que aquele era o melhor pão que haviam comido na vida. Não foram poucas vezes que ouvi isso. E é só porque eu sinto isso que as pessoas sentem também. Tudo que eu vendo na padaria é aquilo que eu mais gosto de comer. Se não for, eu não faço.

Esta é minha ética. Eu uso os melhores ingredientes que encontro, dedico-me integralmente a cada etapa do processo, e quando faço testes, só quando fico maravilhado é que coloco à venda. Isto exige empenho e sensibilidade, características fundamentais para um padeiro.

Estou tão envolvido com esta arte que me associei a outro amigo artista, Otávio Dantas, e estamos desenhando uma série de conteúdos online, para que mais gente possa fazer o melhor pão de sua vida em casa. Artigos, videos, livros e cursos para qualquer pessoa do mundo que entenda português. Esta nova vertente se chama “Pão feito à mão”, e tem um canal no youtube e um site com conteúdos gratuitos sobre panificação artesanal.

Agradeço se você me acompanhou até aqui neste texto! Este é um resumo de como uma simples fatia de pão transformou a minha vida, e espero que sirva de inspiração para a sua!

Boa sorte, e caso tenha dúvidas, não deixe de entrar em contato!

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